A Solução Começa Com Você, Mulher
A luta pelos direitos das mulheres sempre se manifestou como uma ação decisiva para ativar o caminho da igualdade. O crescimento dos movimentos feministas, nos anos setenta, foi imprescindível para denunciar as desigualdades sociais das quais as mulheres eram vítimas. Essa consciência feminista encontrou resistência das instituições brasileiras, promovendo e disseminando o machismo em todas as camadas da sociedade.. A violência doméstica, apresentada como resultado da dominação masculina sobre a mulher, foi o primordial problema reivindicado pelos movimentos feministas.
Nos dias atuais, a violência doméstica contra a mulher, mais conhecida como “violência de gênero”, é um dos fenômenos mais divulgados e denunciados em todo mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 30% das mulheres são vítimas, todos os dias, de violência física e sexual no mundo, perpetrada pelo parceiro íntimo. Essa violência de gênero é um problema histórico, que acontece quando se estabelece uma hierarquia dentro de um relacionamento, causando um desequilíbrio de poder entre os parceiros.
Esse tipo de violência se apresenta como um problema recorrente e de grande magnitude no Brasil. Estima-se que cinco mulheres são agredidas cada dois minutos pelo seu companheiro em 80% dos casos.(FPA/Sesc, 2010). Uma outra pesquisa realizada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2013 mostra que 56% dos entrevistados conhecem pelo menos um homem que tenha agredido uma mulher. Pode-se dizer que tal violência é o resultado de uma cultura machista, patriarcal, onde o homem representa o chefe de família e a mulher deve a ele total obediência.
Atualmente, mesmo embora as mulheres exerçam funções iguais às dos homens no ambiente de trabalho, ainda recebem um salário inferior e cuidam das tarefas domésticas sem ajuda do companheiro. A culpa, todavia, não pode ser atribuída apenas aos homens, uma vez que o machismo afeta a sociedade inteira, a começar pela infância. Os pais reproduzem esse modelo de desigualdade entre as crianças, tratando-as diferentemente em função do seu gênero. Essa educação baseada na desigualdade continua favorecendo o sistema patriarcado, influenciando o desequilíbrio no relacionamento que poderia causar a violência do gênero.
Em todo caso de agressão existem diferentes tipos de violência. Os tipos de violência mais exercidas no caso de agressão contra mulheres são as violências física e psicológica. Na verdade, a violência psicológica está sempre presente no caso de violência doméstica. Na prática, o agressor, antes de passar à ação física, mina a dignidade da mulher, sua autoestima com a finalidade de deixá-la frágil. Assim, o agressor geralmente “rebaixa” a vítima, fazendo comentários negativos a respeito de sua forma de se vestir, sua opinião, suas maneiras ou seu estilo de vida, perante a família ou os amigos dela. Seguidamente, quando a mulher está psicologicamente fraca, a violência física se desenvolve.
A violência física pode ser definida como qualquer ação que atinge a integridade física ou saúde da mulher. Esse tipo de abuso é a forma mais comum de agressão contra a mulher. Por exemplo, muitos atos de violência física, como bater, queimar ou quebrar ossos são feitos quando o companheiro está sobre o efeito do álcool ou drogas. Geralmente, esse tipo de violência é consequência quando o companheiro não aceita a independência da mulher. Apesar disso, a violência poderia se manifestar de mais formas inclusive sexual, patrimonial e moral e pode afetar todas as classes sociais.
Para enfrentar esse fenômeno social foi criada a Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Essa ferramenta de proteção feminina definitivamente reformou as condições das mulheres agredidas. Com a Lei Maria da Penha, a violência do gênero ganhou visibilidade.
A dita lei começa definindo os vários tipos de violência que as vítimas sofrem. Sabemos que a informação jurídica que chega às vítimas é pouca ou quase inexistente e causa, na maioria dos casos, a falta de denúncia. Assim, essas definições conscientizam as mulheres dos seus direitos e poderiam incitá-las a denunciar à violência.
No caso de violência doméstica, o agressor é um indivíduo que frequente a casa da mulher agredida. Os artigos da lei expressam que a violência doméstica se apresenta como uma forma de violação dos direitos humanos que se desenvolve no ambiente da unidade doméstica ou familiar.
A importância da Lei Maria da Penha permanece nas mudanças legais que ela iniciou. Ela, por exemplo, melhorou a assistência social à mulher agredida. Inclusive, a pena do crime da violência doméstica foi aumentada e as disposições processuais ficaram simplificadas para incitar às mulheres a culpar o agressor.
A autoridade policial, com as mudanças processuais, agora tem a obrigação de tomar iniciativas para conduzir o pedido de medidas protetivas de urgência em menos de 48 horas.
Da mesma forma, em caso de necessidade, transporte e abrigo podem ser fornecidos para a vítima. Um acompanhamento dela ao hospital ou ao seu domicílio para retirar seus pertences é também possível. Outra mudança importante que a lei trouxe é que a vítima não pode mais retirar a queixa. Na verdade, o processo penal iria até o final, independente da vontade da vítima, isso para evitar a retirada da queixa sob a ameaça do agressor.
Finalmente, com a Lei Maria da Penha, foram criados centros para atender mulheres em situação de agressão a fim de intervir no caso de violência doméstica.
Desse modo, pode-se afirmar que a lei Maria da Penha enfatiza a desigualdade do gênero, qualificando-a como uma carga cultural e histórica. O caráter interdisciplinar da lei em questão, incluindo a psicologia, a assistência social e a educação, oferece uma proteção efetiva para garantir os direitos das mulheres agredidas.
Tratar sobre a violência doméstica é mais complexo do que se imagina. Em resumo, pode proclamar que a origem desse flagelo social está no ciclo intergeracional. O ciclo se apresenta como uma passagem de ideia de geração a geração, aos quais filhos crescem com a ideia de que o homem deve ser superior à mulher. Na verdade, as crianças imitam o comportamento dos mais velhos, visto como normal e correto. Desta forma, a violência do gênero está normalizada, não somente pelos homens, mas também pelas mulheres, acreditando que devem aceitá-la. Entende-se que no ambiente familiar, a mulher sofre não apenas pelas agressões físicas, mas também pelas consequências que poderiam refletir nos membros, especialmente nos filhos.
A violência doméstica é UM CRIME inaceitável e não pode ser considerado um ato usual entre parceiros. Infelizmente, muitas mulheres continuam acreditando que elas deveriam se sacrificar psicologicamente e fisicamente para o futuro do casal. Ao contrário, um relacionamento amoroso precisa ser recíproco e ninguém deveria carregar o peso da relação em seus ombros. O amor não pode envolver brutalidade. A luta contra a violência doméstica começa, em primeiro lugar, com as mulheres.
Flor dedicada ao texto: Cravo Roxo, simboliza Solidão.
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Elodie Douet
Francesa, Jurista, especializada nas áreas dos Direitos Humanos, Direito Internacional e Penal.