Amor e solidariedade
Não raramente me pego caindo numa velha armadilha: como gosto de estar sempre agradando aos outros, estou sempre esperando por reconhecimento. O que, é claro, nem sempre acontece. Dentro de mim nasce então um sentimento de frustração profunda e um pensamento não sai da minha cabeça: "nossa, Fulano é tão ingrato! Por que nunca está feliz com nada do que faço? Por que nunca me agradece como eu mereço? Sempre esperando que eu faça ainda mais!"
Recentemente, decidi fazer uma grande doação de roupas, alimentos e objetos a uma instituição de caridade, o que me tomou muito tempo para organizar, lavar as roupas, passar, dobrar, sair para comprar alimentos, etc. Foram dias inteiros dedicados a essa doação.
Quando conclui a missão, um legítimo sentimento de paz e missão cumprida invadiu meu coração. Optei por não mencionar a ninguém sobre meu feito; por isso, jamais recebi qualquer tipo de reconhecimento externo por todo trabalho que tive. Mesmo assim, um profundo sentimento de satisfação e tranquilidade estava ali presente em meu coração.
Me pus então a refletir: por que parece tão mais fácil ser realmente solidário para com um estranho? Por que justamente para aqueles que mais amamos (família, amigos) não somos capazes de dar um pouco de amor sem esperar algo em troca? Por que é que estamos sempre esperando por palmas, grandes agradecimentos, fogos de artifício, flores (reais ou imaginários)...?
Tantas são as vezes em que poderíamos ter sentido paz apenas pela sensação de realizar algo importante por uma pessoa amada, mas escolhemos sentar de braços cruzados e esperar impacientemente pelo reconhecimento do outro... E é exatamente aí que mora a armadilha: ocorre que a expectativa é, em última instância, grande traidora da realidade. Ela surrupia todo nosso contentamento nos dizendo "ah, minha querida, mas você merecia tão mais..." Dentro de nossas mentes, as flores sempre poderiam ser mais frescas, as palmas mais animadas, os rojões mais coloridos e as dedicatórias mais carinhosas e efusivas... Acabamos sofrendo com a expectativa não cumprida, diminuímos o real valor do gesto que realizamos, ficamos inconformados com tanta ingratidão.
Comparando as duas situações, notei que mora dentro de mim uma criancinha carente esperando ser exaltada pelos pais toda vez que realiza algo de bom ou de correto. Em contrapartida, quando realizo um gesto realmente solidário - sem esperar nada em troca, nem sequer um “obrigado” - a maior recompensa vem de dentro do meu coração: um profundo sentimento de bem-estar, que acalma e afaga a criancinha por muitos e muitos dias...
Talvez, o grande ato solidário esteja em realizar qualquer ação única e exclusivamente como um gesto de amor pelo outro. E finalmente, por amor e compaixão a nós mesmos, dedicarmos às nossas criancinhas internas todas as palmas, dedicatórias, flores e fogos de artifício que merecemos, silenciosamente. Um delicioso segredo ;)
Flor dedicada ao texto: Delphinium Roxo, simboliza Coração Aberto.
Ana Luiza Azevedo
Escritora e fotógrafa amadora, apaixonada por plantas e animais. Canceriana, muito apegada à família e a seu grande amor. Juntos, esperam seu primeiro filho, de onde surge inspiração para contos, poesias e textos.