Ela se foi... e agora?
“A vida é a mais agradável das invenções e a morte é um recurso para obter mais vida”
Goethe
Trabalhando há 24 anos como proprietária de funerária, já não tenho mais dúvida da imortalidade da alma. Isso me conforta e nem mais temo a morte.
Normalmente, nos referimos à morte com uma certa dose de terror: “ceifeira”, “anjo negro” , “a dolorosa” . Será que não poderíamos pensar na morte como um alívio para os doentes? Quantas vezes passamos anos agonizando enquanto o corpo está apenas esperando a linha de chegada? Para encarar a morte, acima de tudo, é preciso ter fé.
Conto-lhes uma história. Certo casal criou seus filhos, que cresceram e bateram asas. Tudo na maior normalidade. Voltaram a ser somente o casal de idosos na casa e isso mais do que nunca os uniu. Eram como unha e carne: passeavam juntos, faziam compras juntos, caminhavam juntos, assistiam TV juntos... e juntos tudo faziam. Eis que o marido adoece e morre. Muitos disseram: “ela não irá suportar, vai logo atrás.” O resultado sobre a esposa foi imediato: dentro de si surgiu uma dormência interior, uma perda de equilíbrio, um desinteresse pela vida, um desgosto, um sofrimento... A solidão, a mágoa e o desespero tomaram conta de sua alma por algumas semanas e meses.
Ela não reprimiu sua dor e esse foi o remédio para a sua TAMANHA dor. Os amigos foram aparecendo e foram bons “ouvidos”. Com o tempo, passaram a achar juntos um novo caminho de vida. As horas e dias de solidão, tristeza e melancolia foram aos poucos ficando para trás. A convalescença espiritual foi abrindo as portas pela atração da vida social e foi criado um novo estilo de vida. O que se nota hoje nessa senhora é uma paz interior - e porque não dizer, uma tremenda alegria de viver. Sempre que nos vemos ela me diz que quando chegar sua hora, terá boas histórias para contar ao seu falecido marido quando se reencontrarem. Assim seja!
Ela se foi... e agora?
Uma amiga certa vez me relatou o seguinte: “minha cunhada está desenganada. Não sei o que será do meu irmão quando ela vir a falecer. Ele é muito apaixonado e não saberá viver sua ausência.” Confesso, fui pra casa naquele dia com uma profunda compaixão por aquele homem. Poucos dias depois fui acordada de madrugada pela família para ir buscar o corpo daquela jovem senhora que havia falecido em um hospital de uma cidade vizinha. Creio que sua morte foi desacompanhada de terror, visto que ela estava linda e serena. Durante o tempo todo da viagem fiquei pensando em como entregaria o amor da vida daquele homem para ele em um caixão. Quando cheguei com o corpo, o velório estava repleto de amigos e familiares. Pensei no quanto aquilo seria bom e de certa forma mais “fácil“ para o viúvo.
Após alguns meses, para minha surpresa e alegria, aquela mesma amiga veio me contar que seu irmão iria casar-se novamente. Poucos anos depois de casados, sua linda e jovem esposa é acometida pela mesma doença da primeira e falece também. Só posso imaginar quanto sofrimento passou aquele homem, vivendo tudo aquilo novamente. Mas ao que parece, ele nunca desistiu de ser feliz. Hoje ele se encontra em um terceiro e feliz relacionamento. Não que ele não tenha amado de todo o seu coração as duas primeiras esposas; elas serão eternamente lembradas, mas a vida segue, a vida tem que continuar.
Viúvo, mesmo, é quem morre!
Flor dedicada ao texto: Açucena, simboliza Tristeza e Angústia
Lúcia Braga
Décima primeira filha de um casal de mineiros de Paraisópolis, MG...