O Conto Do Cordeiro Que Era Lobo
Ela é uma garota jovem, igual as outras. Alimenta sonhos e expectativas e em matéria de amor algumas dores e delícias; mas agora está à espera de um príncipe encantado; alguém que supere todos os outros que a deixaram amargurada e desiludida; um homem que desfaça todos os pensamentos e julgamentos ruins que ela vem alimentando em sua consciência. Onde encontra-lo? Eis a questão. Eu poderia escrever esta história como um conto de fadas, mas ela não termina como um, portanto, vou fazer diferente: irei começar como um conto qualquer.
Um dia ela sai de sua casa despretensiosamente com as suas amigas para um dia de diversão e muitos risos, passa uma das melhores tardes da sua vida, e, na volta para casa em um ponto de ônibus enquanto espera, um homem se aproxima dela e do seu grupo. Será um ladrão ou um homem querendo falar alguma gracinha? Ela não se preocupou em se questionar. Ele dá boa noite e entrega a ela um chocolate. Ela não é muito lá simpatizante dos chocolates, mas resolve aceitar por gentileza. As amigas se entreolham e cochicham umas com as outras especulando uma sortuda no meio delas por receber o tal doce.
Ela fica meio desconfiada, mas prefere não pensar muito a respeito, ele então novamente toma coragem e se aproxima dela e os dois começam a conversar. As amigas vão embora uma a uma e por fim ela fica quase sozinha na companhia daquele rapaz. Ela não sente medo, pois, já está completamente envolvida com a conversa. Depois deste dia, começaram a conversar. Os dois se conheceram bastante através de conversas pelo telefone e via mensagens de texto. Ela se sentia cada vez mais segura a cada assunto, e a cada dia alimentava a certeza de que aquele poderia ser o amor da sua vida. Como toda garota sonhadora, ela imaginava o dia em que iriam sair juntos e até o dia do pedido de casamento, coisa surreal.
Chega o dia do “primeiro encontro”, ela sai de casa e não conta a ninguém sobre o que estava planejando, não tem um diálogo com os pais e também não deixa as amigas sob aviso para caso aconteça alguma coisa. Ela traja um vestido florido, uma sapatilha bonita, o cabelo arrumado e bem perfumada. Ela atravessa a cidade para encontrá-lo em um horário durante a noite. Ele a faz esperar por duas horas. Ela perde a paciência, liga várias vezes até finalmente se reencontrarem.
Ele a leva em um local onde é muito frequentado, mas nem tão bem assim, ela chega um pouco desconfiada, mas segura de que ele não a fará nenhum mal. Os dois se acomodam e então começam a conversar. Ela inocente, ludibriada pelas conversas que eles haviam tido até chegar este dia, e o que parecia um sonho prestes a se tornar real, vira um pesadelo. Ele começa a levar o assunto para o lado libidinoso nos cinco primeiros minutos de conversa e após o primeiro beijo. Ela continua absorta em seus devaneios até perceber que ele a tocou de uma maneira que nenhum homem tinha feito antes, ele pega nas mãos dela e mostra o quanto ele tem a intenção de levá-la a um local distante dali.
Assustada, ela se afasta um pouco e dá a entender que não quer, porém, ele continua a insistir naquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo já no primeiro encontro. Ele diz que isso é comum, tenta convencê-la de que ela é exagerada, mas ela permanece negando todas as investidas. As horas demoram a passar e o assunto permanece o mesmo, ele tenta… e tenta, mas não é correspondido. Ela com muito medo, quer ir para casa, mas ele insiste para que espere mais um pouco, até que por fim, ele cede e a leva até o ponto de ônibus.
Ela chega em casa, com a cabeça tomada por mil e um pensamentos. Será que isso é normal mesmo ou eu que sou careta? Como as minhas amigas reagiriam se fosse com elas? Todos os homens fazem isto? E se eu fosse estuprada? Imediatamente liga para um amigo de infância e em meio a conversa faltam palavras e sobram lágrimas e os pensamentos: “Fui invadida”, “Estou me sentindo suja”, “Como fui deixar isto acontecer comigo?”.
O conto do lobo em pele de cordeiro é baseado em fatos e dentro do cenário da sociedade acontece todos os dias e em todos os lugares. Não importa a roupa, o perfume, o cabelo, a mulher tem seu espaço na sociedade e deve ser respeitada. O corpo é uma propriedade privada que só deve ser tocada partindo do consentimento da mesma. Nenhum ser humano deve tomar a liberdade de invadir o nosso “EU” e fazer dele o que quiser. Nosso corpo não é casa de aluguel, é nosso!
Flor dedicada ao texto: Narciso, simboliza egoísmo, vaidade, mentira e formalidade
Bia Teixeira
Publicitária, baiana e turista pelo mundo afora!