Reconexão

Reconexão

Ana Luiza Azevedo Introspectivos 17/04/2017 (0)

Poucas coisas me deixam tão reflexiva quanto o interrompimento no fornecimento de algo essencial como energia ou água em minha casa. Quando isso acontece, atua em mim como uma meditação forçada - é como se de repente tudo ganhasse uma nova perspectiva e eu de repente entendesse a real dimensão e importância das coisas.
Numa tarde quente e preguiçosa de verão, a natureza decidiu exibir toda sua pujança e formou uma forte tempestade, que, sem aviso, me deixou por seis longas horas sem energia elétrica.

Sozinha naquele final de tarde, não demorou até que eu me visse sem bateria no celular. Sem wi-fi e sem telefone, ilhada no alto de um prédio (porque a preguiça de descer as escadas era muito maior que meu incomodo em ficar sozinha, é claro), me senti completamente isolada do mundo.  

Depois de meia hora de frustração e inabilidade, comecei a me acostumar e a analisar aquela situação. Com a mesma força que chegou, a tempestade se foi, deixando para trás o silêncio. Há quanto tempo eu não ficava em silêncio? Há quanto tempo eu não me desconectava de todos? Havia algo muito interessante em estar ali, sozinha, sem possibilidade de ser contatada. Quase um prazer proibido. Era curioso notar que, o que quer que acontecesse no mundo naquele momento, eu não seria impactada pela notícia.

Normalmente, apenas o barulho dos ônibus e as buzinas dos carros na avenida são capazes de se sobrepor ao som da televisão, porém com o apartamento em silêncio, meus ouvidos se aguçaram e gradualmente passaram a prestar atenção nos barulhos de fora. Eis que ouço um passarinho cantarolando, provavelmente de alegria pelo final da tempestade. Então mais um, e outro, e vários se juntaram a eles, formando um coro. Me aproximo da janela, olho para a avenida e me dou conta de que aquelas resilientes árvores incrustadas no concreto de São Paulo estão cheias de vida.

Saí pela casa procurando atividades que eu pudesse realizar e que não dependessem de energia, embora a luz do dia já fosse bastante escassa. As nuvens dispersavam e davam lugar ao pôr do sol. Minha visão ia gradativamente se acostumando à pouca luz, então decidi organizar a cozinha. Lavava calmamente a louça quando observei que os vizinhos do prédio em frente ao meu estavam todos na sacada. Todos. Em todos os andares. Certamente estavam também sem energia. Um frio percorreu minha espinha - o que levaria tanta gente a olhar naquela direção? Algum incêndio? Um alagamento? Outra tempestade se formava?

Dei a volta no apartamento procurando uma janela que apontasse para onde todos estavam olhando, quando encontro, perplexa, um arco de 7 cores muito vívidas no céu, como os que eu desenhava deitada de bruços no chão quando era menina e que nunca vejo porque estou com os olhos e mente muito ocupados com qualquer outra coisa.

Meu coração se aqueceu de alívio e ternura por aquele momento. Fiquei emocionada em pensar que, como eu, todas aquelas pessoas talvez tivessem sido atingidas pelo mesmo momento de reflexão.

Depois de alguns segundos de admiração, voltei para minha louça e através da janela notei que naquele prédio ainda havia um casal na varanda. Estavam abraçados, um de frente para o outro, em silêncio, e assim ficaram por um bom tempo.

Talvez, se desconectando do mundo, tivessem reencontrado sua própria conexão.

Flor dedicada ao texto: Magnólia, simboliza Amor à Natureza, Beleza Esplendorosa.

Ana Luiza Azevedo

Escritora e fotógrafa amadora, apaixonada por plantas e animais. Canceriana, muito apegada à família e a seu grande amor. Juntos, esperam seu primeiro filho, de onde surge inspiração para contos, poesias e textos.

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