Sexo frágil? Nem sempre.
O Brasil sempre esteve envolvido em um problema social importante relacionado ao fenômeno da violência doméstica. Tal violência, praticada entre os membros de uma família, ou entre parceiros, causa vários impactos negativos à população brasileira. Em 2013, de acordo com a pesquisa da Organização Mundial da Saúde, nosso país ocupou a quinta posição entre os países com maior incidência de violência doméstica.
Quando falamos a respeito de violência doméstica, a mulher é freqüentemente vista como a vítima e o homem, o indivíduo violento que semeia o terror. Será que realmente a vítima é sempre feminina?
A maioria das pessoas qualificarão a violência doméstica como uma violência de gênero, caracterizando-se pela subordinação do sexo masculino sobressaindo o sexo feminino.
Se todas as pessoas, independente do sexo, raça, etnicidade ou situação econômica, se beneficiam de uma proteção legal, no caso de violência doméstica, graças ao artigo 129 do Código Penal, só as mulheres podem gozar de uma proteção legal adicional. A lei 11.340/2006, conhecida como lei Maria da Penha, é uma legislação especial cujo objetivo é “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.” Esse instrumento jurídico oferece uma proteção complementar para a mulher vítima de violência. Por exemplo, artigo 12 da aludida lei permite a autoridade policial de investigar o “agressor” e a vítima com um inquérito policial. Também, a inovação da lei pode ser encontrada na proteção da mulher independente da sua orientação sexual. Em outras palavras, uma mulher homossexual, quando é vitima de ataques praticados pela sua família, pode gozar da proteção oferta pelo Artigo 5 da lei. Finalmente, a criação do abrigo para mulheres agredidas, disposto no artigo 35, foi uma revolução que concedeu salvar muitas vidas.
Todavia, a visão da violência doméstica e familiar da lei Maria da Penha têm como vítima exclusiva a mulher. A mesma não considera a situação no qual os homens podem tornar-se vítimas de violências domésticas. Apesar disso, a lei referida foi julgada constitutional, de acordo com o princípio da igualdade do Artigo 5 Constituição Federal de 1988, sublinhado que todos são iguais perante a lei. Isso porque a lei trata de igualdade substancial e não de igualdade formal. Em outras palavras, a mulher, julgada como desfavorecida, merece uma diferença de tratamento, e portanto, uma legislação específica. Logo, a lei Maria da Penha, que acentua essa “discriminação positiva”, afeta a noção de igualdade do gênero material. A lei divulga uma visão da mulher, que supostamente, seria o sexo frágil no caso da violência doméstica (e o homem o “agressor”) e que precisa de uma legislação específica. O fato de tratar a mulher de forma especial vai contra a ideia de igualdade entre os gêneros.
Se a lei Maria da Penha representa um importante avanço legislativo com o reconhecimento da violência contra as mulheres como violação dos direitos humanos, ela não alcança promover e efetivar o princípio da igualdade e os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
O fenômeno da violência doméstica não é um problema apropriadamente jurídico, mas trata-se de um problema de cunho social, que afeta todas as pessoas, inclusive os homens.
Nesta sociedade brasileira machista, a violência doméstica contra os homens continua sendo um tabu. Poucas estatísticas podem ser encontradas sobre este problema social em particular. Ao contrário de muitos países como os Estados Unidos, França, Reino Unido, Portugal, Nova Zelândia o até Suécia, Brasil não apresenta uma quantidade suficiente de estatísticas considerando a violência contra os homens. Isso mostra que esse problema permanece ignorado pelas autoridades brasileiras.
Um dos raros levantamentos estatísticos existentes revela que 15% dos homens já foram vítimas desse tipo de violência. Também, em 2010, de acordo com os dados do Governo colhidos pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade, 6.934 homens morreram devido à violência doméstica. No entanto, essas estatísticas representam um número inferior ao número real de vítimas, porque a maioria dos homens evita se expor ou deixa de ir à delegacia para denunciar sua companheira. Isso porque eles “têm medo de ser chacota”, por causa de vergonha. A polícia, geralmente, não vê as mulheres como agressores e não consegue acreditar que o homem tem a incapacidade de defender-se. Da mesma forma que as mulheres, o machismo detém os homens no estereótipo cíclico de gêneros.
Assim como na violência exercida contra as mulheres, os homens são torturados, sequestrados, brutalizados e estuprados. Todavia, verifica-se uma tendência para que as mulheres exerçam violência psicológica, definindo como qualquer conduta que “ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.”, mais que uma violência física. Ameaça, extorsão, agressão física em frente às crianças, confisco do dinheiro e dos bens - essas ações qualificam a vida da maioria de homens agredidos.
A violência doméstica contra os homens está presente em todo o mundo. Recentemente, um caso cruel de violência doméstica ocorrido na França escandalizou a população. Um homem de 29 anos foi abusado psicológica e fisicamente ao longo de dois anos por sua companheira. Tudo começou com violência patrimonial; sua companheira roubava o seu cartão de crédito, seu computador e sua identidade para sustentar a família e suas necessidades. Rapidamente, essa violência tornou-se uma violência física. Ela começou a espancá-lo e sequestrá-lo. A ele nunca foi permitido dormir na cama, tomar um banho ou usar o banheiro. Às vezes, ela o queimava ou jogava ácido nele em frente às crianças. Mesmo assim, ele jamais se dirigiu à delegacia ou foi embora da casa, por conta da vergonha e porque ele não queria deixar as crianças sozinhas com ela. O próprio irmão dela realizou uma denúncia e assim a vítima foi enviada ao hospital. Ele precisou sofrer oito cirurgias, sendo que seu nariz e suas orelhas tiveram de ser reconstruídos completamente.
Esse caso mostra a perversidade da violência que sofrem as vítimas masculinas. Não se trata de um caso isolado e essa realidade prejudica cada vez mais os homens. No Reino Unido, 40% das pessoas que sofrem de violência doméstica são homens. Na França, mais de 80.000 homens são declarados como vítimas domésticas a cada ano. Apesar dessas estatísticas, não existe praticamente nenhum refúgio para homens disponíveis nesses países. Na Bélgica e Suíça, algumas organizações de proteção dos homens contra a violência doméstica fornecem abrigos masculinos. Como nos abrigos que recebem as mulheres agredidas, os homens podem morar no seu quarto privado, por um período de até 6 meses.
No Brasil dos dias atuais há que se contribuir muito a respeito de assistência social para os homens. Se a lei Maria da Penha permitiu um melhor acompanhamento para as vítimas femininas, a mesma realidade não verifica no tocante a uma proteção suficiente para todos os gêneros.
Numa sociedade onde a mulher está sempre vitimizada e o homem penalizado, nunca é aceitável que alguém, homem ou mulher, seja vítima de violência doméstica. Logo, os dispositivos sociais e legais deverão ser disponíveis para todos, independente de sexo.
REFERÊNCIAS
http://madame.lefigaro.fr/societe/violences-conjugales-le-silence-des-hommes-battus-140416-113843
http://soshommesbattus.over-blog.com/
https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-11340-06.
Lei Maria da Penha.
http://grupovioles.blogspot.com.br/2016/09/violencia-contra-homens-envergonhados.html
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/2785072/violencia-domestica-contra-o-homem
Raissa Raquel Espinola Sousa, Lei de violência doméstica e familiar, seus aspetos e sua aplicabilidade, Guarabira (2016).
http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/2_2009/Docentes/LEI%20MARIA%20DA%20PENHA.pdf
http://www.lwa.org.uk/understanding-abuse/statistics.htm
DOTOLI, LEÃO, Violência doméstica contra o homen, de agressor a agredido, (2012).
Constitução Federal da República Federativa do Brasil 1988.
Código Penal
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
Flor dedicada ao texto: Jacinto, simboliza Tristreza profunda
Elodie Douet
Francesa, Jurista, especializada nas áreas dos Direitos Humanos, Direito Internacional e Penal.