Um novo olhar para um antigo amor
Num daqueles dias em que tudo parece conspirar para que nossos planos dêem errado, daqueles em que a gente se pergunta por que foi mesmo que saiu da cama, lá estava eu em férias, tentando de todas as formas chegar até meu merecido metro quadrado de areia na praia. Mas entre muitas horas de trânsito e uma brava tempestade, me vi obrigada a desistir.
Acabei visitando uma cidade que conheço desde muito pequena, mas que, em dias ensolarados, servia apenas de passagem para que eu chegasse até a praia, de carro. Saí a pé, debaixo de chuva bem fininha, a caminhar por suas ruas históricas. E descobri ali coisas muito interessantes que eu jamais imaginei que existissem naquela cidade que eu imaginava conhecer como a palma de minha mão. Anoiteceu, as luzes se acenderam e revelaram a beleza encantadora daquela cidade pela qual eu só olhava de dentro do meu carro, de janelas fechadas e ar condicionado ligado. A brisa. As ondas do mar na orla da cidade. As luzes do porto. O riso das crianças brincando na pracinha recém construída. A fonte iluminada rodeada de amantes.
Me peguei ali refletindo sobre como é possível se apaixonar novamente por um mesmo lugar, bastando que lancemos sobre ele um olhar diferente, que nos demos tempo para percorrer suas ruas em uma lenta e despretensiosa caminhada, explorando cantinhos desconhecidos. E assim também acontece com os relacionamentos.
Há pouco tempo reencontrei uma grande amiga, que me confidenciou estar chateada por não conseguir se manter em um relacionamento mais longo. Ela mesma optava por terminar todos os relacionamentos assim que a famosa fase da paixão terminava. Ela me perguntou: "como você consegue estar há 16 anos com o mesmo homem? Você não cansa, não enjoa? A paixão entre vocês não passa? Eu não entendo!". Expliquei a ela que a paixão passa, sim. Passou, aliás, há muitos anos. Não, eu não sinto borbulhas no estômago e nem as mãos gelarem quando meu marido chega em casa. Mas não, nunca enjoei, nunca me cansei e nunca achei sacrifício algum estar num mesmo relacionamento há 16 anos, porque para mim nosso relacionamento é como uma árvore, que precisa de muitos e muitos anos de sol e água para poder crescer e poder dar frutos. Terminar um relacionamento quando a paixão termina, na minha opinião, é como arrancar um broto pela raiz antes mesmo que ele comece a dar suas primeiras folhinhas...
"Mas e a rotina?", ela perguntou. Sim, a rotina existe, é claro, e é necessária para que um relacionamento se torne estável. O que faz mal aos relacionamentos, na verdade, é a má rotina, não a boa rotina. A boa rotina traz segurança e gera a expectativa de que as coisas boas do relacionamento se repitam: aquele colo com cafuné no final da noite, o cheiro tão conhecido da pessoa amada, o momento em que rimos porque já sabemos o que o outro irá responder...
"Mas não chega um momento em que tudo perde a graça? Em que você sente falta de algo novo?", ela insistiu. Sim, é claro que às vezes isso acontece. E quando isso ocorre, é momento de quebrarmos a rotina, irmos para um lugar diferente, nos afastarmos dos problemas do dia-a-dia, olharmos dentro dos olhos um do outro, nos ouvirmos e então nos darmos tempo suficiente para, lenta e despretensiosamente, percorrermos cada uma das nossas ruas, explorarmos os nossos cantinhos, olharmos para dentro de nós e redescobrirmos as nuances das nossas personalidades. É este o momento em que fica evidente como somos interessantes individualmente, mas ainda mais interessantes quando estamos juntos. Basta que paremos para admirar um ao outro, sem pressa...
Como em São Sebastião, naquele final de tarde.
Flor dedicada ao texto: Girassol, simboliza Homenagem, Devoção.
Ana Luiza Azevedo
Escritora e fotógrafa amadora, apaixonada por plantas e animais. Canceriana, muito apegada à família e a seu grande amor. Juntos, esperam seu primeiro filho, de onde surge inspiração para contos, poesias e textos.